Novas regras de reporte ESG vão exigir ‘due diligence’ “contínuo”
Novas regras europeias forçam empresas a mapear riscos em toda a cadeia de valor e a implementar um plano de ação. Este foi um dos temas em análise na quarta edição do ESG Fórum Portugal.
Ansiedade será, porventura, um sintoma frequente nas grandes empresas portuguesas desde a aprovação das novas regras europeias para o reporte de informação ESG, mas há também muitas dúvidas sobre o real impacto que a diretiva CSDDD terá nos negócios. Uma das consequências de não trabalhar questões ambientais, sociais e de governança será a dificuldade no acesso ao financiamento, salientaram os oradores da quarta edição do ESG Portugal Fórum.
O evento – organizado na passada quinta-feira pelo ECO/Capital Verde – contou com a presença de empresários, especialistas em direito e decisores políticos, incluindo o secretário de Estado da Economia. "Penso que há hoje um consenso muito alargado de que há conceitos que não são discutíveis", apontou João Rui Ferreira, que acredita que a sustentabilidade é hoje um passo óbvio para todos. "A questão que se coloca é a que ritmo vamos fazer isto (…) e como é que fazemos isto mantendo a competitividade", indagou.
O Governo, garantiu o responsável, reconhece a importância dos temas ESG e quer mesmo trabalhar para "harmonizar as regras do jogo para que todos saibam o que estamos a medir e a avaliar", mas também contribuir para esclarecer as empresas. "Estamos a trabalhar em várias medidas do ponto de vista da capacitação", assegurou.
Capacitação parece ser, segundo os especialistas, uma das principais necessidades das organizações e dos seus líderes quando o tema é o cumprimento das obrigações europeias. "Cada vez mais, os empresários estão conscientes de que não podem tomar decisões sem terem a informação toda sobre os impactos que essas decisões têm", apontou Bruno Ferreira. O managing partner da PLMJ defende, contudo, que este tema "pode ser uma oportunidade" para rever o modelo de negócio e alinhá-lo com "as exigências da transição energética e do combate às alterações climáticas".
Aceder a financiamento verde
O cumprimento de critérios ESG com desempenho positivo será, cada vez mais, um fator que decide o acesso ao financiamento. No debate sobre o tema do investimento sustentável participaram Nuno Rosário (REN), Bruno Ferreira (PLMJ), Joana Carvalho (SFGO) e Celina Carrigy (CMVM). "As empresas têm de fazer uma análise de risco, porque quando falamos em ESG falamos, acima de tudo, de risco", apontou Joana Carvalho.
Sobre o acesso a recursos financeiros, a REN tem procurado, ao longo dos últimos anos, "alinhar a estratégia de financiamento com os objetivos e estratégia em matéria de sustentabilidade", explicou Nuno Rosário. Para o responsável, a prioridade é a integração de energias renováveis e, para isso, é preciso recorrer a green bonds, green loans e, em breve, sustainability-linked bonds. Neste último caso, por exemplo, "as empresas comprometem-se a atingir determinados objetivos" e, se não forem cumpridos, são penalizadas com juros mais elevados. "A REN comprometeu-se a ter, em 2030, todo o seu financiamento verde", garantiu.
Do ponto de vista do regulador, a CMVM diz que "uma das preocupações é sobretudo assegurar que as regras relativas à informação são cumpridas" e que as normas "sejam cada vez mais claras" para todos os agentes envolvidos. "Esta dimensão da literacia perante um quadro regulatório tão complexo exige um esforço grande no sentido de tornar este quadro mais compreensível", disse ainda Celina Carrigy.
Bruno Ferreira vê com bons olhos todos os esforços de capacitação, já que, mais do que a complexidade do reporte, "o que tem complicado o debate é a confluência entre política e competitividade". "Para mim, o grande problema é a alteração do modelo de negócio das empresas", afirmou, lembrando que é preciso ver "o que acontece porque essas empresas têm trabalhadores".
"A partir de 2026, as PME passam também a ter objetivos e regras que têm de cumprir. E não é apenas, ao contrário da expectativa que se criou, para terem melhores taxas de financiamento. É mesmo para conseguirem ter financiamento", lembrou António Costa, diretor do ECO, durante a abertura da quarta edição do ESG Fórum Portugal.
Mapear os riscos é crucial
A transposição da diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CSDDD) para a legislação nacional está a ser trabalhada pelo Governo, garantiu o secretário de Estado da Economia, e vai obrigar as empresas a "avaliar os riscos em matéria de direitos humanos e de ambiente", explicou Claire Bright.
A professora associada da NOVA School of Law diz que o primeiro passo é fazer o "mapeamento dos riscos da atividade da empresa ao longo da cadeia de valor", a principal novidade trazida pelas novas regras europeias. "O processo de due diligence é contínuo e permite identificar os riscos ao longo do tempo, mas também ter ferramentas para medir os progressos", enquadrou.
"Cerca de 90% das nossas emissões vêm dos nossos fornecedores, por isso cabe-nos ajudá-los a reduzir."
Márcio Cruz, responsável de relações públicas, comunicação e sustentabilidade da Coca-Cola Europacific Partners
No debate sobre o tema da due diligence participaram ainda Cláudia Coelho (PwC), Madalena Perestrelo de Oliveira (Think Tank PLMJ) e Márcio Cruz (Coca-Cola Europacific Partners). "Cerca de 90% das nossas emissões vêm dos nossos fornecedores, por isso cabe-nos ajudá-los a reduzir", explicou o responsável de relações públicas, comunicação e sustentabilidade. "Acho que temos essa responsabilidade de os alertar para o que aí vem", continuou.
"No caso da Coca-Cola, é preciso ter consciência de qual é o seu propósito e o que está a fazer, mas também quais são os riscos, as necessidades e o que afeta o seu negócio", reconheceu Márcio Cruz. "A partir do momento em que tem mapeado todos os seus riscos, aquilo que tem de ter é metas muito claras sobre como atuar sobre estes riscos", defendeu.
Embora apenas as grandes empresas sejam diretamente impactadas pela diretiva, a verdade é que os seus fornecedores e parceiros, mesmo sendo pequenas e médias empresas (PME), serão afetados pelas novas exigências. A criação de códigos de conduta e de políticas de relacionamento com fornecedores são passos que as organizações têm de dar, seguidos da implementação de um plano de ação com medidas concretas para melhorar o desempenho nos critérios ESG. "É essencial fazer o mapeamento e mantê-lo atualizado sobre a cadeia de abastecimento da empresa", sublinhou Madalena Perestrelo de Oliveira.