Os cinco desafios do futuro gestor da dívida pública portuguesa
O próximo presidente do IGCP, a agência de gestão da dívida pública, vai ser Pedro Cabeços, um homem dos mercados que trabalho, até recentemente, no Royal Bank of Scotland, sucedendo na liderança a Miguel Martín, que assumiu a presidência em 2022, o IGCP contribuiu de forma decisiva para cumprir o objetivo político de redução do rácio da dívida pública face ao PIB, que em 2023 ficou abaixo dos 100% do PIB pela primeira vez desde 2009. Agora, com a nomeação de Pedro Cabeços para iniciar funções a partir do início do próximo ano, como o ECO noticiou em primeira mão, abre-se um novo capítulo na gestão da dívida pública portuguesa.
O novo gestor da dívida pública nacional, que conta com uma vasta experiência em mercados financeiros internacionais, incluindo passagens pelo Morgan Stanley e Royal Bank of Scotland, enfrenta, desde logo, o desafio de dar continuidade à trajetória positiva da dívida pública nos últimos anos.
Depois, cabe-lhe a tarefa de colocar em prática a estratégia delineada no "Plano de Atividades e Orçamento 2025-2027" do IGCP para os próximos três anos e trabalhar com o Governo para atingir o plano ambicioso traçado pelo Executivo para os próximos anos em matéria de dívida pública que, conforme revelado no Relatório do Orçamento do Estado para 2025 e também no "Plano Orçamental Estrutural de Médio Prazo 2025-2028", pretende reduzir o rácio da dívida de 95,9% do PIB no final deste ano para 87,2% do PIB em 2027 e para 83,2% em 2028.
Neste contexto, Pedro Cabeços enfrentará cinco grandes desafios nos próximos três anos à frente do IGCP:
1) Redução sustentada do rácio da dívida pública
O primeiro e talvez mais premente desafio para o novo presidente do IGCP será garantir uma gestão eficiente da dívida pública que contribua para o cumprimento do objetivo delineado pelo Governo de reduzir de forma "sustentada e gradual" o rácio da dívida relativamente ao PIB até 2028.
O Plano Orçamental Estrutural de Médio Prazo 2025-2028 estabelece uma meta ambiciosa: reduzir a dívida pública de 95,9% do PIB em 2024 para 83,2% em 2028, uma diminuição de 12,7 pontos percentuais em apenas quatro anos.
Para atingir este objetivo, Pedro Cabeços e a sua equipa terão de implementar uma estratégia de gestão da dívida que equilibre cuidadosamente vários fatores:
- Emissão de nova dívida: será crucial planear as emissões para aproveitar as melhores condições de mercado, minimizando os custos de financiamento.
- Gestão do perfil de maturidades: alongar a maturidade média da dívida pode ajudar a reduzir o risco de refinanciamento, mas também pode implicar custos mais elevados no curto prazo.
- Aproveitamento de oportunidades de recompra: identificar e executar operações de recompra de dívida quando as condições de mercado forem favoráveis.
- Coordenação com a política orçamental: trabalhar em estreita colaboração com o Ministério das Finanças para assegurar que a gestão da dívida está alinhada com os objetivos orçamentais globais.
Esta tarefa será particularmente desafiante num contexto de incerteza económica global e de volatilidade nos mercados financeiros, provocada por um ambiente de elevada tensão geopolítica na Europa e no Médio Oriente.
2) Diversificação da base de investidores num cenário de menor intervenção do BCE
O segundo grande desafio para Pedro Cabeços será alargar e diversificar a base de compradores de obrigações do Tesouro português. Este objetivo ganha especial relevância num momento em que o Banco Central Europeu (BCE) está a reduzir a sua presença no mercado de dívida soberana.
Com o fim dos programas de compra de ativos e a gradual redução do reinvestimento das obrigações que atingem a maturidade, o IGCP terá de encontrar novos investidores para absorver a oferta de dívida portuguesa. Esta tarefa implica:
- Intensificar as ações de promoção junto de investidores institucionais de diferentes geografias, com especial foco em mercados emergentes e na Ásia, que arrancou recentemente com um roadshow do IGCP ao continente asiático com esse propósito.
- Reforçar as relações com os agentes primários de dívida pública (Primary Dealers), incentivando-os a uma participação mais ativa na colocação da dívida portuguesa, ao mesmo tempo que mantém uma comunicação clara e transparente com as agências de rating, visando potenciais melhorias na notação de crédito da República Portuguesa.
- Explorar novos instrumentos de dívida, como o Multi-currency Euro-Commercial Paper Programme e o Euro Medium Term Note Programme, para atrair diferentes perfis de investidores; e otimizar o recurso ao financiamento multilateral, nomeadamente para projetos de investimento apoiados por programas da União Europeia.
A capacidade de Pedro Cabeços em implementar esta estratégia de diversificação será crucial para garantir uma procura estável e diversificada pela dívida portuguesa, reduzindo a dependência de um número limitado de investidores e mitigando riscos de mercado.
3) Expansão dos canais de distribuição dos Certificados de Aforro
O terceiro desafio significativo para o novo presidente do IGCP e a sua equipa passará pela promoção de uma maior concorrência na comercialização dos Certificados de Aforro, alargando a sua venda a mais instituições financeiras além do Banco Big, que iniciou a distribuição destes produtos em março de 2024 após uma revisão do regulamento destes títulos de dívida da República destinados ao retalho.
Esta expansão dos canais de distribuição dos Certificados de Aforro é fundamental por várias razões:
- Aumento da acessibilidade: permitir que mais portugueses tenham acesso fácil a estes produtos de poupança, contribuindo para o aumento da taxa de poupança nacional.
- Fomento da concorrência: uma maior diversidade de distribuidores pode levar a uma melhoria nos serviços prestados e potencialmente a custos mais baixos para o Estado na sua comercialização.
- Potencial aumento da captação: uma rede de distribuição mais ampla pode gerar um aumento do volume de subscrições, fornecendo uma fonte de financiamento estável para o Estado.
Para concretizar este objetivo, Pedro Cabeços terá de negociar acordos com novas instituições financeiras interessadas em distribuir Certificados de Aforro e, não menos importante, assegurar que os sistemas informáticos do IGCP, que segundo Miguel Martín "são obsoletos", estão preparados para integrar novos distribuidores de forma eficiente e segura.
Além disso, será necessário desenvolver programas de formação para os novos parceiros e implementar mecanismos de controlo e supervisão adequados para monitorizar a atividade dos novos distribuidores.
4) Implementação do plano de transformação digital do IGCP
Nas mãos do futuro presidente do IGCP estará também a concretização do ambicioso plano de transformação digital do IGCP, aprovado em Conselho de Ministros e publicado em Diário da República a 14 de outubro, com um investimento de 22,3 milhões de euros.
Este projeto de modernização tecnológica é essencial para melhorar a eficiência operacional da agência e a qualidade dos serviços prestados. Os principais aspetos deste plano incluem:
- Modernização dos sistemas de informação: substituição de sistemas obsoletos por soluções mais modernas e flexíveis, capazes de suportar as necessidades atuais e futuras da gestão da dívida pública e a automatização de processos por via da implementação de fluxos de trabalho digitais e sistemas de business intelligence para agilizar operações e melhorar a tomada de decisão.
- Reforço da cibersegurança: implementação de mais e melhores medidas de segurança da informação para proteger dados sensíveis e garantir a integridade das operações, para que situações como a que levaram à suspensão do AforroNet em setembro e outras não voltem a suceder.
A implementação bem-sucedida deste plano de transformação digital exigirá de Pedro Cabeços e da sua equipa uma gestão cuidadosa do projeto, garantindo que os prazos e orçamentos são cumpridos e uma visão estratégica clara sobre como a tecnologia pode ser utilizada para melhorar a gestão da dívida pública e o serviço aos aforradores.
5) Adaptação a um ambiente de mercado em mudança
O último grande desafio para Pedro Cabeços para os próximos três anos passará pela sua capacidade de conseguir gerir a dívida pública com vista a minimizar os encargos da dívida numa perspetiva de longo prazo, num ambiente de mercado repleto de desafios.
Entre esses obstáculos destaca-se desde logo a incerteza geopolítica criada pelas tensões internacionais e conflitos regionais, particularmente na Europa e no Médio Oriente, que podem afetar a perceção de risco dos investidores. Mas não só.
- Evolução regulatória: novas regras e regulamentos, tanto a nível nacional como europeu, podem impactar as estratégias de gestão da dívida.
- Mudanças nas preferências dos investidores: crescente foco em critérios ESG (Environmental, Social and Governance) na tomada de decisões de investimento.
- Inovação financeira: surgimento de novos instrumentos financeiros e tecnologias que podem alterar a dinâmica dos mercados de dívida.
Para enfrentar este desafio, Pedro Cabeços terá de manter uma monitorização constante dos mercados e adaptar rapidamente as estratégias de emissão e gestão da dívida, desenvolver cenários e planos de contingência para diferentes condições de mercado.
Caberá também à sua equipa explorar a possibilidade de emissão de novos tipos de instrumentos de dívida, como obrigações verdes ou obrigações sustentáveis para atender às mudanças nas preferências dos investidores.
Pedro Cabeços enfrenta assim um conjunto de desafios significativos ao assumir a presidência do IGCP. A redução sustentada do rácio da dívida pública, a diversificação da base de investidores, a expansão dos canais de distribuição dos Certificados de Aforro, a implementação do plano de transformação digital e a adaptação a um ambiente de mercado em constante mudança são tarefas que exigirão uma gestão estratégica e cuidadosa.
O sucesso na superação destes desafios será crucial não apenas para o IGCP, mas para a saúde das finanças públicas de Portugal a longo prazo. A capacidade de Pedro Cabeços e da sua equipa em navegar por este cenário complexo, aproveitando a sua experiência em mercados financeiros internacionais, será determinante para manter a trajetória positiva da gestão da dívida pública e para atingir as metas ambiciosas estabelecidas pelo Governo para os próximos anos.